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Fones na alma

A música está alta. Não consigo escutar meus pensamentos. Só ouço o chiado forte do chimbal da bateria aberto tocando e o bumbo batendo repetidamente. A minha mente voa, perdida, privando-a de algo que eu não me lembro.
Meus olhos estão vidrados no teto mofado onde várias manchas marrons apodrecem algo que fora branco algum dia. Um inseto voador que eu não faço ideia de qual seja pousa de cabeça para baixo no chão invertido que olho. Eu tiro o fone e o silêncio mais ensurdecedor que a música que escutava invade meus ouvidos. Então, eu escuto o zumbido do inseto baixinho. Ele está tão distante. Tão baixo. Talvez meus tímpanos não estejam bons depois de anos escutando guitarras gritantes.
Recoloco meu fone e volto no exato momento do solo do baixo. É tão clichê gostar de guitarras! Imagino os dedos nus de uma das mãos do baixista batendo as cordas numa velocidade assustadora enquanto os outros dedos correm o braço de madeira do instrumentos e passam de uma corda para outra como dançarinos. Falam que o baixista não tem importância nem fama na banda. Eu fico indignado. Sem o som pesado das cordas densas do grupo, a música se assemelha, simplesmente, a um ritmo cru de caixas e pratos mais um dedilhado de cordas ou teclas ou ambos, nada mais. Que sem graça!
Passo horas de olhos fechados com o fone de ouvido deitado na minha cama. Porém, mais rápido do que posso imaginar, a bateria do aparelho acaba. Então, eu abro os olhos. Só que não há mais a luz quente do sol da tarde invadindo o meu quarto. Ela foi substituída pela luz do poste elétrico da rua que mira uma iluminação branca para dentro do meu quarto. Deve ser noite. Eu sou a única pessoa que dorme ouvindo trash metal.
Já que não há mais música para encher minha mente, o algo de que eu me privava retorna. A dor, a angústia, a depressão volta e a minha garganta fecha. Então, eu decido voltar a dormir. Talvez meus sonhos façam o mesmo papel que a música tem: encher a minha mente e me privar do sofrimento.

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